Adestrar Shibas ou Educar
Nos grupos de tutores de Shiba, há muita demanda por adestradores. Em razão disso, quero relatar algumas experiências nesse tema, e as conclusões a que cheguei depois de décadas de criação e convivência com cães.
Iniciei minha atuação na Cinofilia com o Doberman, que, por ser muito agitado, acabei substituindo pelo Rottweiler, pelo qual me apaixonei. O Rottweiler é um cão de guarda e, como tal, a conquista do título de Campeão Internacional de Beleza, por exemplo, exige que se submeta a uma “prova de trabalho” formal.
Com o tempo, e com a vivência, percebi que esse tipo de adestramento, o Schutzhund servia para habilitar o “cão de polícia”, ou seja, o cão que exerce o seu trabalho acompanhado de um tutor, um policial ou uma sentinela militar. O adestramento, então, visava tornar o cão previsível, ou seja, a determinada “voz de comando” ele executava um procedimento estrito: sentar, atacar, avançar, etc. Claro que isso tem um preço, a previsibilidade é obtida ao custo da eliminação do comportamento natural, instintivo, do cão.
Morando em um condomínio horizontal na Zona Sul, que sofria tentativas de roubo, algumas bem sucedidas, eu precisava de um cão de guarda. Mas, o adestramento de um cão de guarda, é radicalmente diferente do Schutzhund. O guarda precisa recuperar os instintos atávicos de caça, ou seja, tornar o cão tal como os meus Shibas, que ao ver uma presa entrar no seu território, não se movimentam, nem respiram, aguardam e “explodem” em cima dela: e é pena para todo o lado.
Ainda assim, me reunião aos fins de semana com diversos criadores de cães para fazer provas de adestramento e de ataque. Mantinha meus cães sobre estreito comando, às vezes por quase uma hora. Meu caseiro foi treinado para adestrar cães e, assim, eu contava com um adestrador disponível full time.
Aquelas sessões, feitas em grupos de tutores, de cães de raças semelhantes, serviam como um hobby, um passatempo. Mas, no contexto em que eu vivia, de nada me serviam porque nos períodos em que os ladrões atacavam eu não estava em casa para dar ordens aos cães.
O cão de guarda fica sozinho na propriedade e sua missão é repelir invasores, sem ordens, orientação ou ajuda. Não há quem lhe dê ordens. Ele não pode latir, ele não pode se tornar evidente. Ele precisa caçar o invasor, neutralizá-lo.
Finalidade
Então, aos que querem adestrar os Shibas, pergunto: qual o objetivo do adestramento?
Há muitas possibilidades:
Educação
Resume-se em ensiná-lo a fazer suas necessidades em locais específicos, o que é muito fácil com os Shibas, a entender a palavra “não” e a não executar ações que incomodem, como morder quaisquer objetos, etc.
Obediência Básica
Ensina comandos fundamentais como “não”, “sentar”, “ficar”, “vir” e “deitar”. Serve para garantir que o cão seja controlado em ambientes domésticos. Duvido muito que um Shiba seja ensinado a “vir”, incontinente, se houver algo parecido com uma presa a vista.
Obediência Avançada
Além dos comandos básicos, o treinamento de obediência avançada envolve habilidades mais complexas, como recuo, permanência prolongada e obediência sob distrações.
Caça
É a “profissão” do Shiba, no Japão a NIPPO mantém grupos específicos para garantir que os cães não percam esse talento.
Schutzhund
Denominação de “cão de proteção”, atualmente conhecido como IGP é um esporte canino que testa a habilidade do animal em rastreio, obediência e proteção. Avalia, também, se o cão tem competência como um bom cão de trabalho.
Rastreamento
O Shiba tem todos os requisitos para tanto, basta o ensinar e estará entre os melhores.
Agility
É uma atividade de agilidade praticada por duplas compostas de um cão e seu condutor. O condutor deve conduzir seu cão, sem guia ou coleira, sem tocá-lo e sem a utilização de brinquedos ou comida (usando apenas gestos e comandos verbais), em um percurso com vários obstáculos, seguindo regras específicas em cada um deles.
Esportes Caninos
Além do agility, há alguns outros esportes caninos, tais como Freestyle, Freeslbee, Flyball.
Assistência e Terapia
Consistem na utilização de cães para motivação e sensibilização de doentes. O Shiba é extremamente talentoso para tanto.
Há muito tempo, deixei de querer ter o “controle militar” dos meus cães. Fiz isso quando tive experiências positivamente surpreendentes, já com os Rottweilers, sobre como funciona o vínculo de um cão com seu humano, quando tem pleno domínio de sua inteligência e instinto. Quero cães plenamente conscientes, não robotizados. É menos “confortável”, mas é muito mais rico.
Então, apenas educo meus cães, nada mais.
Se e quando eu tiver oportunidade, vou treinar alguns para a caça.
Isso por que não terei que alterar nada em seu temperamento e eles vão adorar a experiência. Mesmo sem treinamento, aqui no sítio, eles não deixam de caçar. Nada lhes escapa, nem mesmo moscas.
Questão de Mérito
É importante ressaltar que a diferença entre cães adestrados e cães apenas educados não significa que um seja melhor do que o outro. A escolha entre essas abordagens de condicionamento depende dos objetivos do proprietário, das necessidades do cão e das preferências pessoais. Muitos proprietários optam por uma abordagem que combine elementos de ambas as técnicas para alcançar um equilíbrio entre obediência e comportamento natural e saudável.
A História do Fofo
Um casal de amigos, Joaquim e Pompeia, não quiseram ter filhos. Ele um advogado bem-sucedido, ela dona de casa. Moravam em um bairro nobre, em uma casa ampla. Tinham um grande círculo de amigos e, aqui no Sul, muitos churrascos. Eram, os dois, muito unidos. Na família, além do casal, apenas um SRD, sem raça definida, pequeno, pelo curto, cinzento, inexpressivo: o Fofo.
Nos churrascos, nos jantares, o Fofo parecia fazer parte da mobília. Low profile. Ninguém notava. Vinha, ia, subia para os quartos. Vivia sua vida. Somente os mais íntimos sabiam da erudição do Fofo, bastava dizer chinelo e lá vinha ele com os mesmos na boca. Jornal, banho, etc.
O vocabulário do Fofo devia estar próximo do limite dos canídeos. O importante, aqui, é que ele nunca participou de aulas, apenas vivia com os seus procurando ajustar-se à rotina da casa. Quando era elogiado por alguma iniciativa, aprendia. Foram muitos anos, mas o resultado era impressionante. Ele era um membro bem-educado da família. Nunca decepcionou, fugiu, fez birra. Um verdadeiro exemplo de um cão educado ao extremo.
A educação se concentra em ensinar ao cão habilidades sociais, comportamentos apropriados, com respeito amplo ao seu comportamento natural. A educação baseada em reforço positivo fortalece o relacionamento entre o dono e o cão, criando um ambiente de confiança e cooperação. Considera as necessidades emocionais e sociais do cão, promovendo um ambiente mais equilibrado e saudável.
Penso que os tutores de Shiba deveriam respeitar a “essência e sua expressão” deles, ou seja, o seu temperamento natural. Educar e adestrar somente o necessário para uma convivência harmônica. Se alguém deseja um cão inerte, passivo, um cão troféu pode recorrer a outras raças, sem necessidade de mutilar o espírito do Shiba. O Shiba é mais complicado do que muitas outras raças, mas nenhuma delas vai carregar tanto amor, tanta alegria, tanto orgulho.