MELHORAMENTO GENÉTICO: UM DESAFIO
Estou redigindo este post na condição de leigo, de quem não possui conhecimento aprofundado sobre o tema, ainda que conviva com a reprodução de cães há muitas décadas. Minha pretensão se limita à apresentação dos fundamentos dos métodos de reprodução propositiva de cães de raça pura.
Esse tema, quando mergulha na Genética, é de tal complexidade que reserva amplas áreas de nesciência e incerteza, mesmo para os estudiosos. A reprodução de cães, ainda que já tenha o estado da arte em muito aprimorado, ainda consiste em uma mescla de ciência, arte e pitadas de sorte.
Os avanços, entretanto, são de tal magnitude que estou certo de que, em futuro próximo, a genética canina estará dominada, permitindo o exercício da “engenharia genética” conquistando benesses e suprimindo moléstias.
Não possuirmos, hoje, pleno domínio da ciência da reprodução não justifica abandonar o que já conhecemos; temos obrigação de fazer o nosso melhor.
Presumo que o leitor tenha conhecimentos fundamentais de genética. Se não os tiver, recomendo a leitura do MANUAL DE GENÉTICA PARA CRIADORES DE CÃES, de Fabiana Michelsen de Andrade, Biol., MSc, PhD.
REPRODUÇÃO SELETIVA
Fosse a reprodução determinística, tal como um processo industrial de bens físicos, talvez não houvesse graça em sua execução, pois que todos os produtos seriam iguais e ajustados ao Padrão da raça, que, por definição, é inatingível.
Vimos já, no Post Melhoramento Genético como os criadores têm que lidar com aproximações sucessivas de características, para evoluir em novas gerações.
MÉTODOS DE REPRODUÇÃO
Sabemos bem que cruzamentos aleatórios de cães de raça pura resultam em degradação da raça, conforme expus no Post Shibas e Peixes Ornamentais.
Sabemos bem que é possível obter exemplares de alta qualidade cruzando bons cães sem qualquer parentesco. Esse é o caso, por exemplo, da Kaori Hime FY Ryuu Katana, filha do Alchy, da linhagem de Elettra Grassi, italiana, com a Yuuky Go Yamada, da linhagem de Silvia Esposito, da Espanha.
Podemos ver, na Súmula de Julgamento ao lado, que o importante árbitro japonês, Sr. Tomimoto Yuichi lhe concedeu a classificação de excelente em todos os quesitos, confirmando que é merecedora de ser a melhor Shiba jovem do Brasil em 2024.
Essa alternativa, entretanto, apresenta resultados a mais longo prazo. Em razão disso, os criadores adotam algumas práticas para obtenção de resultados em menor tempo ou para a conquista de um maior grau de prepotência, termo que esclareceremos neste post.
Criadores e, mesmo, muitos autores adotam definições imprecisas acerca dessas práticas, razão por que as vamos definir a seguir, de acordo com as publicações que aqui referenciamos:
Inbreeding: cruzamento de animais com grau de parentesco próximo, que tenham um ou mais ancestrais em comum;
Linebreeding: cruzamento de dois animais que podem ter grau de parentesco próximo ou não, mas que utiliza a repetição de um mesmo cão superior em diferentes gerações.
Crossbreeding: cruzamento de dois cães que, apesar de não serem parentes, cada um foi produzido por consanguinidade.
Outbreeding: cruzamento de dois animais sem nenhum grau de parentesco em mais de cinco ou seis gerações, animais que não tenham sido originados de consanguinidade.
Uma explanação mais aprofundada e com ilustrações e exemplos pode ser vista neste trabalho da já citada doutora Fabiana.
Seja o inbreeding, seja o linebreeding, ambas as práticas procuram aumentar a carga genética do ou dos animais superiores envolvidos. Superior aqui quer dizer que está acima de média, na parte direita da Curva de Gauss, como mostrado em nosso post Melhoramento Genético. A vantagem do linebreeding é que a utilização de apenas um animal superior concede maior controle sobre os resultados.
A prova mais cabal da superioridade de um reprodutor é obtida através da qualidade dos seus filhos. Se eles forem superiores, também, a superioridade de irretorquível.
A consanguinidade favorece a prepotência, pois aumenta o número de genes para os quais o exemplar e homozigoto, seja para características dominantes, seja para características recessivas. Ele, assim, terá filhotes muito parecidos com ele mesmo.
COEFICIENTE DE CONSANGUINIDADE
O COI, do inglês, Coefficient of Inbreeding, é um parâmetro a ser observado nos cruzamentos consanguíneos. O COI, sendo uma percentagem relacionada com o grau de parentesco dos animais, reflete a proporção total de genes para os quais o animal é homozigoto.
Fabiana fornece o seguinte exemplo: “um cão com um COI de 25%, é homozigoto em 25% de seus genes, ou seja: para cada QUATRO genes, é homozigoto para UM. Se utilizarmos uma aproximação, e pensarmos que caninos possuem 20.000 genes, cada um para uma característica diferente, este cão será homozigoto em 5.000 genes”.
A grande questão aqui é: para quais genes o mesmo será homozigoto para as “características boas” (boa parte delas dominantes – AA) e para quais genes o mesmo será homozigoto “para características ruins” (maioria delas sendo recessivas – aa).
Não existe como prever! Assim, esta porcentagem indica uma estimativa geral, que pode ser avaliada tanto pelo lado ‘bom’ como pelo lado ‘ruim’. É por isto que o valor de COI está relacionado também à prepotência do animal: quanto maior, maior sua prepotência.
Note que esses valores são estimativas apenas, calculados pelos pedigrees. Hoje, pagando, podemos obter o DNA do exemplar e ter um COI real, normalmente maior do que o estimado. Além disso, podemos ver para quais genes ele é homozigoto.
Outra precariedade do COI estimado é que “quando se utiliza o valor de COI, é de extrema importância saber quantas gerações foram utilizadas para este cálculo, pois um COI de 20% calculado para cinco gerações é considerado alto, mas se o mesmo foi calculado para doze gerações é somente um COI mediano”.
Isto acontece porque o valor de COI é cumulativo ao longo das gerações, então quanto mais gerações utilizadas para este cálculo, o valor realmente tende a aumentar.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
É importante conhecer os ancestrais de seu cão, pois o pedigree mostra o relacionamento entre o cão em exame com seus antecessores. Esse relacionamento identifica a influência do antecessor na ninhada prevista.
HERDABILIDADE
Como se vê, as características comportamentais têm baixa herdabilidade, indicando que são menos determinantes das condições dos descendentes. Nessas características, somente podemos obter melhoras discretas na progênie. Outras características, por seu turno, podem ser mais preponderantes tais como a altura ou largura do peito.
EFICIÊNCIA RELATIVA
Sabemos que um cão recebe a metade de seus genes de seu pai e metade de sua mãe. Assim, receberá 25% dos genes de seus avós paternos e igual percentagem dos avós maternos. Seus bisavós terão uma influência de 12,5% e seus trisavós de 6,25.
Isso no abstrato, eis que a realidade incorpora novas considerações: primeiro, genética é probabilística, ou seja, trabalha com Estatística (e portanto segue a Lei dos Grandes Números), segundo, a herdabilidade de diferentes características é variável, algumas são altamente herdáveis, outras não, terceiro, há diferentes formas de transmissão: aditivas, dominantes, epistáticas. E afinal, há características que somente se desenvolvem quando encontram um ambiente favorável, em termos de alimentação, clima, exercícios.
Na verdade, há preponderância, então, das características dos pais e em menor grau dos avós e bisavós. Simultaneamente, há mais preponderância em características de maior herdabilidade. Qual seria então a utilidade de ver um pedigree de uma linhagem ampla, de várias gerações de cães excelentes, se apenas os mais recentes contribuem com significância?
Em meu entender, considerando a experiência já relatada dos meus peixes ornamentais, é que se, em algum momento, for abandonada a seletividade e a reprodução ficar “ao azar”, a degradação será tão drástica que os exemplares perderão suas características da raça e se tornarão desqualificados, sendo praticamente impossível retornar à preservação. Não é sem razão que os cães que forem desqualificados em uma exposição canina perdem o direito de reproduzir a raça.
PEDIGREE: TÍTULOS PROMOCIONAIS
Claro está que há conveniência em reproduzir com cães que conquistaram títulos promocionais importantes, pois isso atesta a correção deles em relação ao Padrão da raça. Mas, precisamos considerar que esses títulos foram obtidos através do exame do fenótipo do exemplar. Entre o fenótipo e o genótipo há muito mais genes do que sonha a nossa vã filosofia.
PEDIGREE: RISCO DA CONSANGUINIDADE
A ancestralidade dos cães, padreador e matriz, está retratada até a terceira ou quarta geração no pedigree. Assim, embora um Coeficiente de Consanguinidade mais completo exija pelo menos 5 gerações, sendo 10 o número ideal, ele já pode ser calculado e dá um indicativo (valor mínimo).
Um maior número de gerações, necessário para o cálculo mais correto do COI, para os Shibas, pode ser obtido através do Shiba Inu Pedigree, onde não há limitação de gerações,
Como sabemos, o fenótipo é aquilo que se observa no animal, sua constituição, seu temperamento, o que, na verdade, se materializou. Porém o animal que mostra o fenótipo, carrega um genótipo, onde diversas características, por serem recessivas, não se materializaram. Características recessivas, somadas, podem se materializar.
Quanto mais alto o COI maior a probabilidade de repetição de genes, o que seria bom em características positivas, mas poderá fazer surgir características que são recessivas e não são percebidas no fenótipo do animal. Aumenta, dessa forma, a probabilidade de doenças hereditárias e problemas de saúde, impossíveis de perceber nos animais, por comporem apenas seu genótipo.
Esse dilema dicotômico: fixação de características positivas versus surgimento de características recessivas desconhecidas (mesmo os testes de DNA não as abrangem todas) indica aos criadores que não excedam o marco de 15% de COI.
DECISÃO DE CRUZAMENTO
Como vimos, para uma decisão de reprodução abalizada, será necessário conhecer ou solicitar ao proprietário informações adicionais sobre quaisquer animais que não sejam da propriedade de quem está fazendo o cruzamento.
E com um bom “trabalho de casa” é possível reunir informações semelhantes às que constam dos mencionados Pedigrees de MODELOS MAIS COMPLETOS. Porém não há certeza do resultado, que é probabilístico, não determinado.
Por isso, reprodução responsável de cães é um exercício de ciência e arte, a ser obtida passo a passo, com uma boa pitada de sorte.
Mas, no espirito do arqueiro que vendo o alvo muito distante, além do tiro de sua flecha, mira o mais alto que possa, para atingir o mais próximo possível, podemos contratar um geneticista para aconselhamento e ter melhores chances.