ALERGIAS EM CÃES
Alergias são uma questão complexa, seja em cães, seja em humanos. Já escrevemos a respeito em um post anterior, de forma mais prática.
Agora, vamos tentar esclarecer um pouco mais dessa questão, baseados em um estudo profundo, realizado pelo International Committee for Allergic Diseases in Animals (ICADA) para estabelecer diretrizes práticas no diagnóstico preciso de casos clínicos.
Essas diretrizes fruto de pesquisas e resumos de reuniões internacionais, oferecem uma visão geral do diagnóstico da Dermatite Atópica Canina (DA) e preconizam três abordagens diferentes, que se complementam.
1. Descartar outras doenças de pele com sinais clínicos assemelhados ou sobrepostos
2. Interpretar detalhadamente as características históricas e clínicas da condição.
3, Avaliar a reatividade da pele mediante testes.
O uso de qualquer uma dessas abordagens isoladamente, segundo o estudo, pode resultar em diagnósticos incorretos, é importante não confiar em nenhuma delas como único princípio diagnóstico.
DERMATITE ATÓPICA CANINA
A Dermatite Atópica Canina (DA) é uma desordem cutânea alérgica, de caráter inflamatório, crônico e multifatorial (decorrente da perda da integridade da barreira epidérmica e da desregulação do sistema imune), que atinge cerca de 15% da população mundial de cães. Pode se desenvolver em animais com predisposição genética (racial, entre os quais não está o Shiba) submetidos à presença de alérgenos geralmente ambientais (como pólen e ácaros). Está frequentemente associada a um tipo de proteína produzida pelo sistema imunológico.
Embora essa definição cubra muitos aspectos da doença, é importante lembrar que não há sinais específicos que permitam um diagnóstico definitivo apenas com a entrevista e o exame inicial do cão. A apresentação clínica da doença pode variar muito, dependendo de fatores genéticos, como a raça do cão, da extensão das lesões, se são localizadas ou espalhadas pelo corpo, do estágio da doença, fase aguda ou crônica, e da presença de infecções secundárias ou outros fatores que podem piorar a condição.
As raças mais predispostas são: Shar Pei, West Highland White Terrier, Lhasa Apso; Shih Tzu, Jack Russel, Dálmata, Pug, Setter Irlandês, Boston Terrier, Golden Retriever, Boxer, Setter Inglês, Labrador, Schnauzer Miniatura, Pastor Belga, Bulldogue Inglês, Pastor Alemão, Cocker Spaniel, Dachshund, Doberman e Poodle.
Alguns sintomas dessa doença podem parecer com outras condições de pele que não têm relação com a Dermatite Atópica Canina (DA). Por isso, o diagnóstico definitivo pode ser complicado. As figuras que extraímos do trabalho Canine atopic dermatitis: detailed guidelines for diagnosis and allergen identification aqui apresentadas, podem auxiliar na diferenciação das causas.
DESCARTAR OUTRAS DOENÇAS PARECIDAS COM DA (Dermatite Atópica Canina)
A avaliação de um cão pruriginoso requer um método objetivo. Os diagnósticos precisam ser reduzidos usando informações da anamnese e exame físico, além de testes diagnósticos, quando necessário.
Métodos básicos, que podem descartar a maioria das doenças similares, são localizar pulgas, raspar a pele, arrancar pelos e examinar amostras de pele e orelha. Dependendo da complexidade do caso, podem ser feitas as etapas seguintes:
1 PRIMEIRO PASSO – PULGAS COMO POSSIBILIDADE
Os sinais clínicos de infestação por pulgas em cães variam, mas as lesões de dermatite alérgica à pulga (DAP) são geralmente encontradas na parte inferior das costas, base da cauda e parte interna das coxas. Cães alérgicos podem ter DAP ao mesmo tempo, complicando o diagnóstico.
Figura 1-Distribuição de lesões cutâneas e prurido associado às pulgas (DAP)
Os médicos veterinários devem verificar se há pulgas ou fezes de pulgas nos cães pruriginosos, por exame direto ou escovando a pelagem (pentear pulgas).
Para excluir DAP quando pulgas ou fezes de pulgas não são encontradas, deve ser aplicado um preventivo sistêmico, tal como Front Line em pipeta ou similar. Eles costumam ser eficazes na remoção imediata das pulgas.
2 SEGUNDO PASSO – CONSIDERE OUTROS ECTOPARASITAS
PIOLHOS E CASPA AMBULANTE
Outros ectoparasitas podem estar associados ao prurido ou podem ser uma doença concomitante. Embora a maioria desses parasitas favoreça áreas específicas do corpo, conforme figuras a seguir, podem ser difíceis de distinguir clinicamente.
Antes de investigar uma alergia, é preciso descartar possíveis doenças de pele causadas por outros parasitas externos, usando um dos métodos já citados.
Figura 2 Distribuição de lesões cutâneas e prurido de piolhos e caspa ambulante.
Piolhos: Sem lesões visíveis ou descamação e escoriação leves.
Caspa ambulante: seborreia dorsal acentuada
A caspa ambulante em cães é uma condição causada por ácaros da espécie Cheyletiella spp. Esses ácaros vivem na pele e no pelo dos cães, causando descamação intensa, coceira e irritação. A condição é chamada de “caspa ambulante” porque os ácaros são grandes o suficiente para serem vistos a olho nu, parecendo pequenas partículas brancas que se movem.
Os principais sintomas incluem:
Descamação da pele: Pequenas partículas brancas semelhantes à caspa.
Coceira intensa: O cão pode se coçar frequentemente.
Irritação da pele: A pele pode ficar vermelha e inflamada.
A caspa ambulante é altamente contagiosa e pode ser transmitida para outros animais e até para humanos. O tratamento geralmente envolve o uso de medicamentos antiparasitários específicos e a limpeza do ambiente onde o animal vive para evitar reinfestações.
ÁCAROS DA COLHEITA
Esses ácaros são assim chamados por serem frequentemente encontrados em áreas agrícolas e poder infestar plantas e colheitas. Podem causar danos às plantas, afetando a produtividade. Além disso, eles podem ser transportados para outras áreas através de produtos agrícolas, o que facilita a sua disseminação.
Figura 4 Distribuição das lesões cutâneas e prurido associados a ácaros da colheita.
As lesões geralmente se manifestam como erupções.
SARNA DEMODÉCICA
Quando há suspeita de sarna, é conveniente a raspagem da pele em várias áreas, e quando possível, amostras de sangue para os testes específicos, na análise microscópica de várias raspagens profundas da pele, uso de fita adesiva na pele “espremida” e amostras de pelo arrancado. Os ácaros também podem ser encontrados em biópsias de pele e exames de fezes.
Ácaros da sarna demodécica (Demodex spp.): Normalmente, esses ácaros são fáceis de encontrar se várias áreas afetadas do corpo forem analisadas. No entanto, amostras de pés infectados ou de raças com pele grossa (como Shar Pei) podem não ser eficazes, e às vezes são necessárias as citadas biópsias de pele.
Figura 6 Distribuição das lesões cutâneas e prurido associados à sarna demodécica.
As lesões incluem perda de pelo local, multifocal ou generalizada, descamação, manchas vermelhas, seborreia, cravos, furúnculos.
A sarna demodécica é também conhecida como demodicose ou sarna negra e é uma doença causada pelo ácaro Demodex canis. Esses ácaros vivem naturalmente na pele dos cães, mas quando o sistema imunológico do animal está comprometido, eles podem se multiplicar excessivamente, causando a doença.
Principais características da sarna demodécica:
Tipos: Existem dois tipos principais – localizada e generalizada.
Localizada: Afeta pequenas áreas do corpo, causando queda de pelo, vermelhidão e espessamento da pele. Geralmente, não causa coceira.
Generalizada: Afeta grandes áreas do corpo ou todo o corpo, causando coceira intensa, inflamação e infecções secundárias.
Sintomas: Queda de pelo (alopecia), inflamação, descamação, feridas, crostas e pele avermelhada que pode escurecer com o tempo.
Transmissão: A sarna demodécica não é geralmente transmissível entre cães adultos, mas pode ser passada da mãe para os filhotes durante a amamentação.
Tratamento: Inclui o uso de medicamentos específicos prescritos pelo veterinário, que podem levar de dois a três meses para resolver a infecção
ÁCAROS DE OUVIDO
Ácaros da ouvido (Otodectes cynotis): e xame microscópico da cera do ouvido. A cera geralmente aparece marrom escura e quebradiça, parecida com borra de café, e os ácaros são brancos e muito móveis. Ocasionalmente, esses ácaros também podem ser encontrados em raspagens superficiais da pele em outras partes do corpo.
Figura 5 Distribuição das lesões cutâneas e prurido associados à sarna de ouvido.
As lesões incluem manchas vermelhas, secreção marrom escura, tipo borra de café
Os ácaros de ouvido em cães são pequenos parasitas que vivem no canal auditivo. Eles se alimentam de cera e óleos presentes nos ouvidos, causando irritação e coceira intensa.
Principais sintomas:
Coceira intensa: O cão pode coçar as orelhas frequentemente.
Sacudir a cabeça: Movimentos bruscos da cabeça para tentar aliviar a coceira.
Secreção escura: Uma descarga marrom escura, parecida com borra de café, pode ser observada nos ouvidos.
Mau cheiro: Devido a infecções secundárias.
Vermelhidão e crostas: As orelhas podem ficar vermelhas e com crostas.
Tratamento:
Limpeza dos ouvidos: Usar soluções recomendadas pelo veterinário para limpar os ouvidos.
Medicação tópica: Aplicação de gotas ou pomadas específicas para eliminar os ácaros.
Controle ambiental: Manter o ambiente limpo para evitar reinfestações
CASPA AMBULANTE
Ácaros da caspa ambulante (Cheyletiella spp.), Larvas de ácaros da colheita (Trombicula spp.) e Piolhos: Análise microscópica de amostras de pelagem, uso de fita adesiva e raspagens superficiais da pele. Esses ácaros e piolhos também produzem ovos, que ficam presos nos fios de cabelo e podem ser identificados através da análise do cabelo.
Figura 4 – Distribuição das lesões cutâneas e prurido associados a ácaros da colheita.
As lesões geralmente se manifestam como erupção
Os ácaros da colheita, também conhecidos como larvas de ácaros da colheita ou ácaros Trombicula, são pequenos parasitas que podem causar irritação e coceira intensa na pele dos cães. Esses ácaros são mais comuns em áreas úmidas e gramadas, especialmente durante o final do verão e início do outono.
Principais características dos ácaros da colheita:
Infestação sazonal: Geralmente ocorre no final do verão e início do outono.
Sintomas: Coceira intensa, vermelhidão, inflamação e pequenas pápulas (bolinhas vermelhas) na pele.
Áreas afetadas: Pés, pernas, barriga e áreas onde a pele é mais fina.
Visibilidade: As larvas são pequenas, de cor laranja ou vermelha, e podem ser vistas a olho nu.
Ácaros da caspa ambulante e Ácaros da sarna (Sarcoptes canis): podem ser difíceis de encontrar. Por isso, um tratamento antiparasitário experimental pode ser necessário para descartar esses parasitas.
Esses ácaros vivem na pele e no pelo dos cães, causando descamação intensa, coceira e irritação. A condição é chamada de “caspa ambulante” porque os ácaros são grandes o suficiente para serem vistos a olho nu, parecendo pequenas partículas brancas que se movem.
Principais sintomas:
Descamação da pele: Pequenas partículas brancas semelhantes à caspa.
Coceira intensa: O cão pode se coçar frequentemente.
Irritação da pele: A pele pode ficar vermelha e inflamada.
Tratamento:
Medicação tópica: Aplicação de cremes ou loções antiparasitárias.
Banhos medicinais: Usar shampoos específicos recomendados pelo veterinário.
Controle ambiental: Manter o ambiente limpo para evitar reinfestações.
SARNA SARCÓPTICA
Figura 3 – Distribuição das lesões cutâneas e do prurido associados à sarna sarcóptica.
As lesões incluem pústulas, manchas vermelhas, descamação, escoriações.
A sarna sarcóptica, também conhecida como escabiose canina, é uma doença de pele altamente contagiosa e que causa muita coceira em cães. É causada pelo ácaro Sarcoptes scabiei.
Principais características:
Sintomas: Coceira intensa, vermelhidão, perda de pelo, crostas e lesões na pele.
Transmissão: Altamente contagiosa, pode ser transmitida por contato direto com um animal infectado ou através de objetos contaminados, como camas e coleiras.
Diagnóstico: Feito através de raspados de pele e observação microscópica dos ácaros.
Tratamento: Inclui o uso de medicamentos acaricidas e a limpeza do ambiente para evitar reinfestações.
A sarna sarcóptica também pode ser transmitida para humanos, embora os ácaros não sobrevivam por muito tempo em nosso corpo.
3 TERCEIRO PASSO – CONSIDERE INFECÇÃO DE STAFILOCOCOS E MALASSEZIA
INFECÇÃO DE STAFILOCOCUS
Infecções bacterianas da pele causadas por Staphylococcus pseudintermedius (SP) são comuns em cães com DA.
As lesões típicas de infecção superficial na pele, como bolhas vermelhas cheias de pus e crostas ao redor das feridas, são frequentemente distintas o suficiente para fazer um diagnóstico clínico apenas com aparência visual. No entanto, o diagnóstico inicial deve ser confirmado examinando amostras de pele.
O Staphylococcus pseudintermedius é uma bactéria gram-positiva que faz parte da microbiota normal da pele e das mucosas dos cães. No entanto, em certas condições, pode causar infecções oportunistas, especialmente quando há comprometimento da barreira cutânea ou do sistema imunológico.
Principais características:
Infecções de pele (piodermite): Pode variar de superficial a profunda, causando lesões como pústulas, crostas e eritema (vermelhidão da pele).
Infecções de ouvido (otite): Pode causar inflamação e secreção nos ouvidos.
Outras infecções: Pode afetar o trato urinário, causar bacteremia (infecção no sangue) e osteomielite (infecção nos ossos).
Resistência a antibióticos:
Staphylococcus pseudintermedius resistente à meticilina: Algumas cepas desenvolveram resistência a muitos antibióticos comuns, tornando o tratamento mais desafiador.
Tratamento:
Limpeza e desinfecção: Fundamental para reduzir a carga bacteriana.
Medicação tópica e sistêmica: Uso de antibióticos específicos, guiados por testes de sensibilidade
A infecção de pele por estafilococos é, na maioria dos casos, um problema secundário associado a outras doenças que causam coceira ou não, outras alergias, e problemas hormonais. A infecção geralmente altera o nível ou o padrão de coceira. Nestes casos, tratar a infecção mostrará se a doença principal causa coceira e quão grave ela é.
Além das lesões típicas da infecção de pele, os cães com dermatite atópica (DA) podem desenvolver crescimento excessivo de bactérias que podem complicar outros tipos de lesões. Portanto, é aconselhável amostrar uma variedade de lesões para caracterizar a extensão do envolvimento bacteriano e gerenciar a infecção adequadamente.
DERMATITE POR MALASSEZIA
O teste mais eficaz para identificar leveduras Malassezia é analisar células da pele das áreas afetadas, como dobras da pele, regiões com pele espessa e oleosa. Malassezia pachydermatis é uma levedura com forma oval, que facilita sua identificação. Geralmente, a presença dessas leveduras indica um crescimento excessivo ou infecção.
Em cães alérgicos à Malassezia, mesmo poucas leveduras podem causar coceira e lesões na pele. Portanto, o diagnóstico de dermatite por Malassezia deve ser baseado nos sintomas clínicos e exames de células, e confirmado com uma resposta positiva ao tratamento antifúngico.
Figura 7 Distribuição das lesões e prurido associados à dermatite por Malassezia.
As lesões incluem manchas vermelhas na pele, escamas oleosas amareladas ou acastanhadas, hiperpigmentação
4 QUARTO PASSO CONSIDERE A REAÇÃO ADVERSA ALIMENTAR CUTÂNEA
Em qualquer caso de DA canina que tenha sinais clínicos durante todo o ano, o CAFR (Cutaneous Adverse Food Reaction) só pode ser descartado por ensaios clínicos de dieta de eliminação rigorosa, uma vez que testes comerciais diagnósticos precisos não existem.
Isso é especialmente importante em ensaios que avaliam medicamentos para o tratamento da DA canina, uma vez que a DA induzida por alimentos pode não responder bem a esses medicamentos, como mostrado para corticosteróide.
Infelizmente, não há dietas que tenham se mostrado eficazes em todos os casos de CAFR. Portanto, em alguns casos, especialmente quando os sinais gastrointestinais estão presentes, vários ensaios de dieta diferentes podem ser necessários até que um controle suficiente dos sinais clínicos seja alcançado.
CAFR (Cutaneous Adverse Food Reaction) significa Reação Alimentar Adversa Cutânea. Em veterinária, isso se refere a reações alérgicas na pele de animais causadas por certos alimentos. Para diagnosticar e confirmar se um animal tem CAFR, é necessário realizar ensaios clínicos de dieta de eliminação. Isso envolve alimentar o animal com uma dieta específica que não contenha os possíveis alérgenos e observar se os sintomas desaparecem. Se os sintomas melhorarem com a dieta de eliminação e retornarem quando os alimentos suspeitos são reintroduzidos, isso confirma a presença da reação adversa alimentar.
Figura 8 Distribuição comum de lesões clínicas e prurido associados à DA
canina e Reação Adversa Alimentar Cutânea
ALERGIAS EM CÃES: CONCLUSÃO
Vemos que a DA canina é uma doença complexa, que pode estar frequentemente associada a outras doenças pruriginosas. Devido à falta de um teste de alergia comercial preciso para diagnosticar a DA canina, é necessário um diagnóstico clínico baseado na exclusão de outras possíveis doenças.
Como a Reação Adversa Alimentar Cutânea é frequentemente indistinguível da Dermatite Atópica Canina, há casos em que se é necessário realizar dietas de eliminação, que são complicadas, quando houver prurido perene ou sinais gastrointestinais concomitantes.